sexta-feira, 13 de novembro de 2009

GERAÇÃO DE PLÁSTICO


Nossa civilização atingiu seu ápice. Orgulhamo-nos de nossos feitos gloriosos. Nosso modo de vida unificado nos torna igualmente medíocres. Somos reflexos embaçados das celebridades da TV. Queremos nos tornar outdoors ambulantes de multinacionais da moda; afinal, o que é uma camiseta sem uma marca? Pano de chão? Nossas vontades não são nossas, nem são permitidas. Somos todos reféns de nosso desejo consumista compulsivo.

Estamos programados para acordar, produzir e dormir, para no outro dia produzir mais e melhor. Alimentamos o sonho de ganhar muito dinheiro para poder ostentar todas as maravilhas tecnológicas do mundo moderno, para comprar as roupas mais caras e “respeitáveis”, para que possamos infligir inveja naqueles que não possuem tais bens, pois, a vaidade impulsiona e infla o ego e o ser-humano é tão mesquinho quanto sua própria soberba.

Nossos comportamentos são padronizados, pasteurizados. A sinfonia hipócrita e leviana da auto-ajuda torna best-sellers discursos superficiais. Buscamos auto-afirmação perante a uma sociedade que nos obriga a esconder nossas fraquezas, que nos incentiva a ser tudo, menos a sermos autênticos. “Enquadre-se, seja quem eles querem que você seja, seu futuro depende das respostas que você der, nada deve ser sobre você, siga o modelo, nunca seja sincero”.

Não passamos de números, estatísticas. Nossos cartões de crédito dizem tudo sobre nós, afinal, somos o que podemos comprar, quem não pode consumir não é ninguém. Nossos feriados mais festejados são programados para serem celebrações irracionais de consumo em massa. As “mecas” do capitalismo, os shoppings centers, ficam lotados de fiéis ensandecidos por comprar os souvenires desejados na “data limite”. Dead line para a auto-satisfação.

O conceito de manipulação perde-se. Somos prisioneiros voluntários dos desejos ocultos de nossas mentes. Sustentamo-nos em nossas próprias mentiras, alimentamos nossa irracionalidade e quando tudo dá errado, pomos a culpa num devaneio chamado destino, afinal, não controlamos nossas próprias vidas. Nos isentamos de nossas culpas. Inocentes condenados. E em nossa plena ignorância, desperdiçamos o tempo que nos é dado com futilidades inúteis.

Somos plastificados, criados numa linha de produção globalizada para sustentar os desejos das bolsas de valores. Não devemos ser incentivados a pensar nem questionar. Nascemos do mesmo molde, modelados e caricaturados, uma geração inteira completamente perdida, alheios a nós mesmos, uma linhagem desorientada e deteriorada pela inércia. Somos potencialmente capazes de sermos mais do que marionetes inanimadas?

Vivemos em uma aldeia de idiotas, um curral de aberrações, todos padronizados e domesticados, como cães adestrados. Curvando-se diante do mínimo sinal de “poder” e bajulando tudo e todos que podem servir de escada para o paraíso da prosperidade. Não nos perguntamos o que queremos de nós mesmos e sim, o que querem de nós. Não conhecemos a nós mesmos, conhecemos apenas o padrão... Nefasto...

Não é uma revolta nem um discurso marxista, só uma constatação. Apesar do pessimismo realista, ainda me sinto livre, depois de muito tempo... Permita-se pensar, abra seus olhos, abra sua mente...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

MELODIA MUDA




Ele percebeu que o quarto se tornava cada vez menor. Mas, não eram as paredes que estreitavam o espaço outrora confortável, e sim o tempo que se esgotava enquanto ele perecia na estagnação de sua alma.

Por anos se deitou na mesma cama, contemplou o envelhecimento daquelas telhas de cerâmica. A mesma cidade, o mesmo bairro, a mesma rua, o mesmo lar, a vizinhança detestável e uma vontade de desaparecer que lhe aprisionava.

Pensava estar condenado à reclusão perpétua naquela prisão suburbana. Os pensamentos flutuavam espaçadamente. Podia prever o futuro olhando para o passado e vivendo o presente.

Sabia que não se tornaria grande coisa, que o tempo que desperdiçou cometendo erros em demasia perdeu-se no espaço e que uma breve sensação de triunfo chegaria e se esgotaria tão rápido que não seria possível desfrutá-la.

Porém, não sabia até quando se questionaria sobre sua existência e da sua falta de entusiasmo em viver. Não pretendia interromper o ciclo, não buscava auto-satisfação, mas, a melodia ainda o fazia levitar.

Mas, apesar das muitas indagações e das desconfianças a respeito de outros, quis se camuflar, se misturar à paisagem, mesmo sabendo ter uma aura negativa. E muito embora não soubesse onde o ponteiro pararia, de uma coisa tinha certeza... não seria um fim glorioso... e não iria demorar...


Para Helen... (As coisas irão melhorar, acredite.)

quarta-feira, 29 de julho de 2009

UMA BREVE SINFONIA


Em dias de isolamento, tendo que conviver com uma mente perturbada pelo tempo que passou sozinho, numa espiral de sensações, boas e ruins, vendo o pôr do sol através de uma janela de vidro sujo e das grades que lembram uma prisão. A rigidez do aço não aprisiona tanto quanto a densa névoa que embaça os pensamentos e constrói um emaranhado de imagens desconexas e retorcidas sobre uma época que outrora parecia gloriosa. Desejos passageiros, vislumbres de futuro, personalidades descartáveis que se perderam pelo caminho e a percepção da obviedade poderiam provocar desespero e decepção.


Alguém que experimenta o gosto da liberdade pela primeira vez e pensa não ter sensação melhor, alguém que busca se conhecer sozinho e que, mesmo assim, como todas as pessoas, acaba sendo moldado por indivíduos e acontecimentos que se sucedem e inevitavelmente perde o controle por achar que não sabe quem é. Rumando para o desconhecido e forjando uma personalidade solidamente dilacerada, vê-se cansado de parecer outra pessoa e fingir querer se adaptar.


Sentimentos que acreditava serem seus, cultivados por uma vontade incontrolável de parecer domesticável. O tempo passa rápido para aqueles que o perdem e seu rastro cruel se apaga quando se olha para trás. Hesitação que precede a vontade de agir e a inércia que prende as atitudes, que reprimem os impulsos e tornam uma simples ação numa verdadeira odisséia, fazendo-se descobrir a autenticidade de sua realidade inexpressiva. A angústia toma sua parte, os acordes distorcidos libertam a alma e por um breve momento o mundo parece se calar.


O ciclo segue imprevisível, mas, a negatividade e o derrotismo fazem prever as piores coisas. As surpresas desaparecem, as decepções se esvaem, as expectativas desvanecem, as sensações se mostram controláveis, o brilho dos olhos se esconde, as expressões se suavizam, não deseja mais sorrir falsamente, nem verdadeiramente e a auto-reconstrução se mostra desnecessária. Despir-se das poucas crenças que restam, ter a certeza da inexistência de destino, ousar ser indiferente e sozinho e ainda assim sentir-se surpreendentemente confortável.


“Eu posso mudar, mas, estou aqui do meu modo, estou aqui em meu molde, sou um milhão de pessoas diferentes de um dia para o outro... mas, não posso mudar o meu molde...”

quarta-feira, 15 de julho de 2009

CLÁUSULA DE SANIDADE

"... Lembrar é perigoso... eu vejo o passado como um lugar cheio de ansiedade. O "pretérito imperfeito", como você chamaria. As lembranças são traiçoeiras! Num instante você está perdido num carnaval de prazeres, com o aroma da infância, os neons da puberdade... no outro elas te levam a lugares aonde você não quer ir...

... Onde a escuridão e o frio trazem à tona coisas que você gostaria de esquecer!

As lembranças podem ser vis, repulsivas, brutais... como crianças. Mas podemos viver sem elas? A razão se sustenta nelas. Não encarar as lembranças é o mesmo que enganar a razão! Mas e daí? Quem nos obriga a ser racionais? Não há cláusula de sanidade!

Assim, quando você estiver dentro de um desagradável trem de recordações, seguindo pra lugares do seu passado onde o risco é insuportável... lembre-se da loucura. Loucura é a saída de emergência!

Você só precisa dar um passo para trás e fechar a porta com todas aquelas coisas horríveis que aconteceram... presas lá dentro... para sempre..."


De Alan Moore em "The Killing Joke" de 1986.

domingo, 5 de abril de 2009

PÓSTUMO...


E numa noite quente de outono, onde as coisas aconteciam, sonhos se faziam e derretiam, eu me lembrava de uma época remota. Minha mente viajava pelos caminhos obscuros do passado e eu percebia a cada segundo minha sina, como me sentia em relação ao que estava por vir, ou o que não estava. Lembrei de alguns de meus heróis, como me moldaram durante anos, como era confortável descobrí-los tão semelhantes a mim. Caminhava nessa noite quente de um sábado de outono, perto do domingo, segundo o relógio, depois de uma decepção (mais uma) que me fez perceber muitas coisas, coisas estas das quais não gostei, e percebi que o dia seguinte marcava os quinze anos da partida de Kurt Cobain, cinco de abril. Como seria minha infância se não fosse minha identificação com ele, me pergunto, provavelmente teria sido mais tranquila, mas não mudaria nada se pudesse voltar. Enfim, esse é um dia triste para mim, e gostaria de ter escrito algo mais profundo sobre ele, mas minha inspiração não anda suficientemente favorável para fazer jus à figura tão lendária, só posso dizer que sua presença faz falta, que sua atitude era impar, que sua vida foi curta e intensa e que sua passagem pela terra significou muito para muitos e que embora ele tenha partido, sua música permanece... descanse em paz, meu herói...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

RIO SECO


Sombras ao norte e presságios perversos me puxam como gravidade e o ciclo inevitável que segue tem o odor amargo do dejavu. Enquanto a paranóia cresce, tento desesperadamente cessar as concatenações conspiratórias feitas involuntariamente. Olho no fundo da mente e encontro o desejo oculto de ignorar o que vejo no coração das pessoas, perturbado por enxergar apenas o lado obscuro de suas almas.

Envolto na densa e cínica névoa da natureza humana, sem poder me libertar, os pesadelos parecem confortáveis diante do mundo no qual acordo, embora veja com clareza onde é o fim, o medo é inevitável e meus olhos doem.

Minha conduta é questionada, uma aberração, uma anomalia perturbando o equlíbrio natural. Prezar por sorrisos artificiais, aderir a toda a sinceridade plastificada, esconder-se atrás de uma personalidade oca e se perder num labirinto vazio, sem fim, sem dor.

Esqueço todas as dúvidas, vislumbro apenas a superficie, sinto meu ódio desvanecer e tento não sangrar. O jogo é simples, demorei a aprender, mas minhas cordas estão soltas, marionetes não têm vontade nem vida. A adaptação de um verme longe de casa, fingindo não ser nocivo, ainda vivo, repousa num inferno recriado.

Mas algum dia, quando o curso do rio for mudado e eles puserem as moedas em meus olhos, o fogo confortável e acolhedor me adormecerá e o barqueiro me levará para casa.