terça-feira, 10 de abril de 2007

Parede branca



Manhã de segunda-feira, ele acorda as cinco com o despertador na cabeceira da cama, contra a vontade se levanta, precisa ir para o trabalho, por quê? Ele se pergunta. Todos aqueles anos repetindo o mesmo ritual, doentio, pensa.
Lembra a época de colégio, era parecido, mas, até certo ponto, era também divertido. Chegara até a universidade, engenharia, sempre fora bom em matemática, apesar de não gostar, foi aí que percebeu que não conseguia mais conviver com outras pessoas, não suportava os olhares, os sorrisos, estão rindo de mim, ele pensava, às vezes queria ser invisível como aquela personagem que vira no cinema, passar pela multidão sem ser notado, descansar no conforto solitário da sua mente.
Não queria mais encarar as pessoas, há pessoas na fábrica, mas, elas apenas repetem mecanicamente os mesmos movimentos todos os dias, não há necessidade de convivência social, ele delira, ele faz apenas sua parte naquela enorme engrenagem e volta pra casa para dormir e esperar angustiado pelo próximo dia.
Esta noite ele não consegue dormir, pela primeira vez em todos esses anos de trabalho. Começara cedo na fábrica de computadores, seus olhos estão secos, mal conseguia piscar, sentia muito sono, mas não conseguia dormir. É quase cinco da manhã, passara a noite inteira pensando, pensando em que? Ele não se lembrava, lembra a chuva que caía, não dava para ouvir os pensamentos. Cinco horas, não se levantou , queria finalmente entender sua vida, ali naquele pequeno apartamento no centro da cidade, quatro anos desde que saiu de casa, não suportava mais a voz de sua mãe, sempre se queixando da morte do marido. Ela o visita toda sexta-feira, arruma o apartamento, sempre bagunçado, diz que ele não tem competência para viver sozinho. Ela vai embora, depois de quase o obrigar a assistir com ela o programa daquele cara na TV, diz que o ama ao sair.
Todos os seus desejos foram sobrepostos e suprimidos pelas inúmeras frustrações, olhou para trás e tudo que vivera fora nada, só o que resta é perguntar, porque está aqui? Vale a pena viver mesmo sabendo ser incapaz de amar alguma coisa ou alguém? Seria egoísmo ceifar a própria vida em detrimento àqueles que o amam, se é que alguém o ama? Ou o egoísmo seria para consigo mesmo se não o fizesse?
Quinta-feira, dormiu um dia inteiro, sonhou que amanhecia morto, o coração havia parado, seria muita sorte se acontecesse, morrer dormindo, sonhando, seria um sonho. Lentamente se levanta, vai até o banheiro, observa seu rosto cansado no espelho, já nem se reconhece mais, não faz idéia da última vez que fez a barba, não importa mais, lembra-se da adolescência, queria ter barba, parecer mais maduro, as garotas costumavam gostar de caras assim, lembra.
Há sempre uma garota. Quase chegou a amar uma, mas não era amor, era só a aluna mais popular do colégio. todos os garotos a “amavam” de certa forma.
Mais um gélido fim de tarde de inverno, as pessoas voltam para casa de seus empregos em seus carros, cumprindo religiosamente um ritual diário, sem saber do observador no quinto andar do velho prédio no centro. Observa e se pergunta, porque não simplesmente fazer o mesmo? Conformar-se com uma existência ínfima não deveria ser tão difícil, mas o desejo de suicídio é quase incontrolável, a arma está na terceira gaveta do seu armário, a cidade é violenta, precisava de proteção, mas nunca comprou as balas, tinha medo de precisar atirar em alguém, nunca pensou que seria em si mesmo.
A loja de armas que fica ao lado da padaria está aberta, sente fome, mas, pra que comer se seu próximo passo seria o último? Entra na padaria, pede uma esfiha de queijo, ao menos uma última refeição, o melhor prato que já teve o prazer de provar, já não comia há dias. Terminada a refeição, comprou as balas na loja ao lado, não respondeu satisfatoriamente à pergunta do vendedor, para que as balas? Eu tenho porte de arma, disse.
Agora só tinha de voltar para o apartamento e terminar seu calvário. Parecia fácil, encoste a arma na cabeça e puxe o gatilho. E se a bala ficar alojada em alguma parte do cérebro e começar um novo martírio?Uma vida vegetativa. Parece absurdo, afinal seria um tiro à queima roupa, praticamente impossível, porém nunca teve muita sorte na vida, melhor não arriscar, mais sensato seria atirar no céu da boca ou no meio dos olhos. Sua vida não passou inteira diante dele, pensou em quem ficaria em seu lugar na fábrica, pensou em sua mãe, ela é velha, não vai sofrer com sua morte por muito tempo. Não chorou, já não o fazia desde a infância, encostou-se numa das paredes do apartamento, pôs o cano de sua Magnum 44 entre os olhos. Pele, crânio, cérebro, crânio, pele, a parede branca se tornou vermelha.

3 comentários:

  1. Pow mano caramba vc descreveu quase minha historia!!!rsrsrs estudante de engenharia!! pow quase eu !! virei tua fã agora , se bem que eu já era !!rsrsrrss
    parabéns ta mto massa!!!!!!!

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  2. boa historia...os acontecimentos me aprecem familiar...gostei...

    é isso...sem inspeiração para escrever..
    fui!!!

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  3. CARAMBAAAA...MTO BOM. Sem comentários. Cleber, tá o BIXO, adorei, cada detalhe. Bjão

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