quarta-feira, 29 de julho de 2009

UMA BREVE SINFONIA


Em dias de isolamento, tendo que conviver com uma mente perturbada pelo tempo que passou sozinho, numa espiral de sensações, boas e ruins, vendo o pôr do sol através de uma janela de vidro sujo e das grades que lembram uma prisão. A rigidez do aço não aprisiona tanto quanto a densa névoa que embaça os pensamentos e constrói um emaranhado de imagens desconexas e retorcidas sobre uma época que outrora parecia gloriosa. Desejos passageiros, vislumbres de futuro, personalidades descartáveis que se perderam pelo caminho e a percepção da obviedade poderiam provocar desespero e decepção.


Alguém que experimenta o gosto da liberdade pela primeira vez e pensa não ter sensação melhor, alguém que busca se conhecer sozinho e que, mesmo assim, como todas as pessoas, acaba sendo moldado por indivíduos e acontecimentos que se sucedem e inevitavelmente perde o controle por achar que não sabe quem é. Rumando para o desconhecido e forjando uma personalidade solidamente dilacerada, vê-se cansado de parecer outra pessoa e fingir querer se adaptar.


Sentimentos que acreditava serem seus, cultivados por uma vontade incontrolável de parecer domesticável. O tempo passa rápido para aqueles que o perdem e seu rastro cruel se apaga quando se olha para trás. Hesitação que precede a vontade de agir e a inércia que prende as atitudes, que reprimem os impulsos e tornam uma simples ação numa verdadeira odisséia, fazendo-se descobrir a autenticidade de sua realidade inexpressiva. A angústia toma sua parte, os acordes distorcidos libertam a alma e por um breve momento o mundo parece se calar.


O ciclo segue imprevisível, mas, a negatividade e o derrotismo fazem prever as piores coisas. As surpresas desaparecem, as decepções se esvaem, as expectativas desvanecem, as sensações se mostram controláveis, o brilho dos olhos se esconde, as expressões se suavizam, não deseja mais sorrir falsamente, nem verdadeiramente e a auto-reconstrução se mostra desnecessária. Despir-se das poucas crenças que restam, ter a certeza da inexistência de destino, ousar ser indiferente e sozinho e ainda assim sentir-se surpreendentemente confortável.


“Eu posso mudar, mas, estou aqui do meu modo, estou aqui em meu molde, sou um milhão de pessoas diferentes de um dia para o outro... mas, não posso mudar o meu molde...”

quarta-feira, 15 de julho de 2009

CLÁUSULA DE SANIDADE

"... Lembrar é perigoso... eu vejo o passado como um lugar cheio de ansiedade. O "pretérito imperfeito", como você chamaria. As lembranças são traiçoeiras! Num instante você está perdido num carnaval de prazeres, com o aroma da infância, os neons da puberdade... no outro elas te levam a lugares aonde você não quer ir...

... Onde a escuridão e o frio trazem à tona coisas que você gostaria de esquecer!

As lembranças podem ser vis, repulsivas, brutais... como crianças. Mas podemos viver sem elas? A razão se sustenta nelas. Não encarar as lembranças é o mesmo que enganar a razão! Mas e daí? Quem nos obriga a ser racionais? Não há cláusula de sanidade!

Assim, quando você estiver dentro de um desagradável trem de recordações, seguindo pra lugares do seu passado onde o risco é insuportável... lembre-se da loucura. Loucura é a saída de emergência!

Você só precisa dar um passo para trás e fechar a porta com todas aquelas coisas horríveis que aconteceram... presas lá dentro... para sempre..."


De Alan Moore em "The Killing Joke" de 1986.