O sono cansado do dia seguinte me remete à noite anterior, uma noite quente de uma quarta-feira cinza. Numa improvável sucessão de acontecimentos que desencadearam num final impensável para desafortunados no que diz respeito à sorte. Todos os tortuosos caminhos eram consideravelmente imprevisíveis, os cães ladravam, e embora mansos, suas intenções pareciam perversas. A noite e a ansiedade transformaram a cidade num traiçoeiro e interminável labirinto, enquanto ignorávamos atentos os sub-humanos chafurdando o lixo da metrópole.
Jornada essa iniciada com a certeza de uns e uma despreocupada incerteza de outros. Os encontros e desencontros de uma diversão coletiva previamente planejada já eram previsíveis o bastante para evitar comportamentos aflitivos. Obviamente a ansiedade era natural com a iminência demorada da chegada ao local do evento, afinal, esperamos descrentes alguns anos de nossas vidas para poder desfrutar da barulhenta e confortável companhia de alguns heróis remanescentes do autêntico grunge de Seattle.
Toda a expectativa seria recompensada. Apesar de alguns imprevistos, eles (o Mudhoney) subiram imponentes ao palco e descarregaram alguns de seus clássicos. A multidão ensandecida, surpreendentemente, berrava a plenos pulmões algumas das músicas do quarteto de Seattle. A atmosfera era incrível. E toda a espera, no fim valeu a pena.
Após o final do show, extenuados pela diversão, restava-nos voltar à nossa cidade, tarefa complicada, considerando o horário. Mas não era uma noite qualquer. Apesar de tudo conspirar para o nosso fracasso na tentativa de retorno e da insistência irritante de alguns “companheiros” para que desistíssemos de nossa empreitada e aceitássemos sua gentil hospitalidade ao nos oferecer abrigo, permanecemos otimistas (quem diria) de que nossa corrida não seria em vão. Se desse errado, a rua seria nosso quarto durante aquela noite, sem direito a dormir.
Mas como disse antes, aquela não era uma noite qualquer, era nossa noite de sorte (provavelmente a primeira). Nossa chegada atrasada ao ponto de ônibus nos reservava uma inesperada surpresa, o veículo que seria nosso transporte para casa, e que, àquela hora, já deveria ter partido, apresentou problemas mecânicos e estava lá, parado. Apenas esperamos a chegada do substituto para rumarmos de volta à nossa província industrial.
Quando finalmente chegamos, já não havia forma de irmos para casa a não ser os sempre perspicazes e confiáveis motoboys, então decidimos ir a pé. Ignorando os riscos óbvios de caminhar cerca de 3km em plena meia-noite de quarta-feira, seguimos despreocupados, recordando o dia desde seu início, quebrando o silêncio da noite, a cidade era nossa.
Dormir era apenas um detalhe, o dia fora bom, diversão, álcool, rock and roll, subversão de algumas regras, e a companhia de bons e velhos amigos. Todos os dias deveriam ser assim, mas uma realidade dessas é apenas utopia, infelizmente.